Corações ao alto!

II - No entanto, outra experiência nova - muito mais grave e que não quero que se repita - foi a que me aconteceu hoje de manhã no caminho para Lisboa. Uns quilómetros antes da ponte Vasco da Gama, vimos um carro parado na berma da auto-estrada. Uma senhora, fora do carro gritava desesperada por ajuda... estava completamente descontrolada. Parei imediatamente o carro, saímos e verificamos que o marido da senhora estava inanimado no lugar do condutor. As mãos crispadas, a respiração ausente, mucosidade e espuma corriam-lhe da boca. Todos os sintomas de um ataque cardíaco. Duvidei que estivesse ainda vivo. Eu e o meu pai tirámo-lo do carro, estendemo-lo em decúbito dorsal no alcatrão. Lembrámo-nos simultaneamente de que nestes casos o facto de o paciente tossir pode salvar-lhe a vida (pois estimula o batimento cardíaco), pelo que gritamos ao mesmo tempo “tussa, tussa”, o que se revelou infrutífero: ele parecia estar definitivamente a iniciar a sua deambulação com Osíris, Thanatos, Caronte, Hades, Yama, ou qualquer outra deidade atreita a viagens só de ida. Começámos a massagem cardíaca e, embora guiados mais pelo instinto do que pela técnica, verificámos que ele começava a respirar de forma mais fluida; os olhos abriam e fechavam repetidamente...parecia estar a recuperar. Então parámos por um pouco para que pudéssemos cobri-lo com alguns casacos: pareceu-nos que a combinação enfarte + alcatrão frio às 8:00h da manhã não era lá muito boa para a saúde de ninguém.
A esposa chamara já a ambulância. Aguardávamos. Coloquei o triângulo de sinalização, pus a pala reflectora, aquela que protege o para-brisas do sol, entre o corpo do homem e o chão frio. Procurei dar algum conforto aos dois filhos, com cerca de 11 e 7 anos, que esperavam no banco de trás. O mais novo chorava – “não te preocupes, vai correr tudo bem, o teu pai já vai ficar bom” disse-lhe. Pedi o blusão de penas do mais velho e usei-o como almofada para o pai. Este lapso de tempo foi o suficiente para os sinais vitais do indivíduo se esvaírem novamente. Repetimos a dose de massagem cardíaca; ele reagiu abrindo muito os olhos e segurando-me no indicador...Embora ainda inconsciente, já respirava outra vez...
A ambulância chegara. Cumprimentei os socorristas, a esposa começara a relatar-lhes o sucedido. Despedimo-nos. A senhora agradeceu com os olhos molhados. Afastámo-nos. Ele mexia-se já um pouco, parecia estar a começar a recuperar a consciência. A minha mãe diz tê-lo ouvido murmurar o próprio nome.
Nunca antes tinha terminado um dia com o coração nas mãos e começado outro com as mãos no coração!
Comentários
Tenho orgulho de ser teu amigo e da tua familia.
Quanto ao curso de socorrismo que a minha querida Eva Luna referiu, acho que todos deviamos pensar em tirar, ou pelo menos nos interessarmos o mínimo por esse assunto. Já tive para escrever um texto sobre esse assunto, porque já assisti a várias situaçãos no barco que nos leva à outra margem e toda a gente fica sem saber o que fazer. O que vale é que vem sempre uma enfermeira ou alguém que sabe destas coisas. Para os marinheiros dos nossos catamarans devia de ser obrigatório ter um curso de primeiros socorros.
Abraços
PS: gostei muito do fim do texto.