Um novo olhar sobre uma velha questão...

Dei por mim a reflectir que infelizmente em Portugal, sempre se teve o hábito de confundir o antigo com o velho... isto envolve, a meu vêr, duas leituras:
1) por um lado é um fenómeno contextual, característico da generalidade das sociedades ocidentais ditas desenvolvidas, que advém do facto de a pressão consumista nos levar considerar muitos dos nossos artefactos do dia-a-dia, porquanto que ainda recentemente adquiridos, já obsoletos...ultrapassados...fora de moda. É verdade que os produtos de consumo têm um ciclo de vida cada vez mais reduzido; por exemplo: já ninguém remenda meias, não se manda consertar uma varinha mágica de cozinha, não se carrega um isqueiro com gás, cargas de canetas, frigoríficos, meias-solas, para-choques, guarda-chuvas, facas de cozinha, telemóveis, e toda uma panóplia de outros objectos. Está velho - já "não compensa mandar arranjar" dizem uns, "passou de moda" retorquirão outros, "isso? eh pá, isso é barato, compras outro" ouve-se frequentemente.
A sequência da análise leva-nos dos objectos para os lugares. Não se é já fiel a uma papelaria, confeitaria ou mercearia pois os hiper-mercados oferecem todo um manancial de produtos e promoções, são modernos, práticos, plenos de som, movimento e luz . Os restaurantes têm de ter no mínimo 1 ou 2 meses de existência, senão: "isso é tão verão-passado!" ou "não sei como é que ainda não foste ao novo "spot", não pooosso acreditaaar!". Os destinos de viagens têm de custar acima dos 4 dígitos no mínimo, serem uma mistura de exotismo, luxo e aventura radical e terem aparecido na última revista de viagens da moda. É assim, não há nada que saber: tudo o que não é novo é velho, está acabado!

2) Por outro lado é também uma questão cultural. Há um grande défice de sensibilidade para o entendimento de que aquilo que não é novo pode ser ainda útil, interessante, logo estimado, acarinhado! São mais os que entram numa casa de antiguidades a pensar que estas não passam de velharias do que os que vão a uma casa de velharias na expectativa de encontrar antiguidades - e os que ainda o fazem, fazem-no mais na tentativa de encontrar algo que de tão antigo seja raro e de tão raro tenha elevada procura por coleccionadores, logo elevado valor de mercado. Ás vezes, as coisas e os lugares parecem já não ter um valor intrinseco e não pecuniário. Inevitavelmente, dos objectos e lugares, facilmente se passa às pessoas e, na "feira-da-ladra das emoções" não há lugar para aqueles que são já menos dinâmicos e produtivos...não há tempo nem paciência para os velhos...a não ser que haja alguma contrapartida, alguns favores domésticos, ou talvez até alguma herança significativa...

Tudo isto a propósito da minha bisa-avó, cujo tratamento às cataratas não tinha solução em Portugal, especificamente pelo facto de ela ter 95 anos e ser já "muito velha para operar"; não porque houvesse qualquer problema técnico gravoso para a sua saúde...simplesmente porque segundo o médico "a lista de espera para a operação pelo serviço público demora muito tempo e ela só vai viver mais um par de anos. Por outro lado, pelo sector privado, é muito cara e se calhar não vale a pena porque (e novamente) ela só vai viver mais um par de anos." Este raciocínio é comum e não dá margem alguma para que as pessoas em Portugal se tornem antigas sem se tornarem inevitavelmente velhas.
Felizmente em Espanha, numa clinica privada, em três consultas no espaço de uma semana e por um terço do preço da cirurgia em Portugal, não é que os olhos velhos da senhora antiga ganharam um brilho novo!? Agora sim, nesta quadra festiva, a minha avó já vai poder vêr a "maior árvore de Natal da Europa" na Praça do Comércio em Lisboa e fazer compras de natal no "maior Centro Comercial da Península Ibérica" e, de certeza que pelo menos durante um bom par de anos ela se vai lembrar como é de facto um orgulho usufruir da qualidade de vida e da grandiosidade deste nosso país.

Comentários

Eva Luna disse…
Ela ficou a ver!!! E foi maravilhoso assistir ao rejuvenescimento da "velha" Isaura.
Quanto à viagem para a terra Natal... Ficamo-nos pelas memórias da melhor água, do melhor sol, da melhor fruta, do calor e pela nostalgia das memórias da destruição.
"Mesmo os que estavam contra tinham de se calar, ou eram morto."- refere, com um olhar perdido no horizonte alentejano.
E ainda há quem pense que não está lúcida???
Caganita disse…
Ó minha amiga
Na recente vida profissional, dei por mim a dar aulas de manutenção à 3ª idade.
Nunca achei tão gratificante um trabalho como acho este.
para mim, as pessoas mais velhas, não são velhas. São pessoas a quem devemos dar atenção e conversar e tudo e tudo.
Aquela raiva que por vezes eu tinha por causa do preconceito dos velhos contra os novos, está tão errado por vezes. Como eles gostam de nós, como eles gostam de ver que existe alguém que lhes dá atenção e conversa e quer saber das coisas deles.
Adoro estar com as pessoas mais "antigas" e conversar e conversar e conversar, porque têm tanto para dizer, que por vezes não contam a mais ninguém.
Realmente o nosso país é vergonhoso, mas não é só cá que isso acontece, mas acredita também que estão a fazer muito mais do que alguma vez fizeram pelos nossos mais velhos.
Um bom Natal para a D. Isaura.
Pedro Ventura disse…
Muito bom minha amiga. Tudo verdades. Eu não sabia desta história mas a realidade é esta e cabe a nós contrariá-la. Eu invejo a cultura dos "velhos". Sabem quando vai chover, sabem quando a terra está boa para a colheita com um simples cheirar da mesma, e por aí fora. Essa cultura nunca nós iremos ter por muitos livros que leiamos.
Quanto ao primeiro ponto, fizeste-me lembrar algo. O meu estimado frigorifico azul galáctico, que por muito que me tenha custado a livrar-me dele teve mesmo de ser. O arranjo era mais de 100 euros. Onde é que ele estará. Será que alguém se agarrou a ele como uma valiosa raridade? Mas, tinha de ser, o arranjo de facto não compensava. Mas agora tenho um cinzento.

Bj para a família incluindo a D. Isaura
blimunda disse…
já soube desta história há mais tempo e já me lembrei dela várias vezes. isto porque acho que o amigo éme demonstrou todo o carácter que tem ao mover mundos e fundos para dar "luz" à sua avó. o z. e. qaundo for maiorzinho vai morrer de orgulho do pai de certeza absoluta. acho sinceramente que foi um gesto muito bonito. sinceramente.

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