Insólito!


Aqui o Éme (acompanhado pela Evaluna e o pequeno E.) passou por um dos mais insólitos acontecimentos de sempre. Depois de um almoço familiar em casa dos meus pais, dirigimo-nos os três para o café mais próximo. A meio do caminho, atravessando um pequeno pinhal, como se vindo do nada, sinto um toque suave no ombro. Viro-me surpreso - pois ao entrarmos no pinhal, o local estava deserto e, por outro lado também não ouvíramos passos ou algum ruído que indicasse a presença de alguém – e vejo um jovem, magro, cabelo preto muito liso, com um fato verde escuro, segurando um rolo de algumas folhas manuscritas, aparentando cerca de 30 anos que me estende a mão e me cumprimenta tratando-me pelo nome. “Éme, como estás? Há quanto tempo não te via...o que é feito de ti?” “Boa tarde”, respondi eu na defensiva, visto não reconhecer definitivamente o indivíduo. No entanto, o tratamento pela primeira pessoa e o seu à vontade levou-me a descontrair um pouco e a restabelecer o diálogo. “Está tudo bem! E contigo?” retorqui, não querendo parecer deselegante ao admitir que não me lembrava dele.
Enquanto a Eva Luna e o pequeno E. continuaram espontaneamente o seu caminho, o diálogo entre mim e o meu amigo continuou: “há já cerca de 20 anos que não nos vemos” disse ele, “mas tenho estado com os nossos amigos de infância e tenho notícias de quase todos eles. Só mesmo de ti é que perdi o rasto”. “Pois...eu cá não tenho visto muita gente...” disse eu.

Ele prosseguiu: “olha...ouvi dizer que casaste, tiveste um filho... parabéns. Estive com o P., também casou e vai ter uma menina, o A. Foi há dois dias para Londres, tentar uma nova experiência de trabalho; o F. passou um mau bocado mas está melhor; o pai da R., o sr. L. faleceu hoje...ela está muito mal...coitada...” e assim por diante. Enquanto o meu interlocutor debitava nomes de conhecidos e amigos comuns e situações presentes e passadas, de infância, eu, apesar de exteriormente aparentar estar a seguir atentamente a conversa, interiormente continuava a fazer um terrível esforço para me lembrar daquela cara...de qualquer situação que tivéssemos passado enquanto crianças e até do seu próprio nome, que obviamente não lhe queria perguntar directamente.

A certa altura, já a conversa ia longa e, dada a existência de algumas pedras de grandes dimensões no local, o tal amigo convida a sentarmo-nos cada um na sua e prosseguirmos o nosso insólito bate-papo. De repente ele diz-me que é hora de ir andando pois “céu alaranjado antes do pôr-do-sol é prenúncio de mau tempo” .
A fim de confirmar o seu veredicto, olhei para cima, fitando o círculo amarelado de nuvens que as copas dos pinheiros delimitavam...e foi nesta fracção de segundo que quando voltei a olhar para o meu amigo este tinha desaparecido...como-se pura e simplesmente se tivesse desmaterializado à minha frente. Levantei-me do meu banco de pedra, um pouco atónito com tudo aquilo...dirigi-me ao café onde a Eva Luna e o nosso descendente esperavam...não lhe contei nada na altura; agi naturalmente durante todo o dia, como se nada tivesse acontecido. Cheguei mesmo a questionar-me repetidamente se tudo aquilo teria realmente acontecido. Ao fim da tarde, após fazer uns telefonemas, descobri que o P. Estava irradiante, pois faria no dia seguinte a ecografia que determinaria o género do seu bébé. O A. Pediu-me desculpa por estar naquele preciso momento a embarcar para Londres e não ter avisado ninguém de que o iria fazer. Quanto à R. , pesarosa, atendera-me do hospital de N. Senhora do Rosário, à cabeceira da cama do seu pai que, segundo ela, permanecia numa situação grave e na iminência de perder a dura batalha contra a doença prolongada que vinha há muitos meses a travar.
Fiquei trémulo e indisposto durante as poucas horas que restavam desse dia...acabei por ter de desabafar com a Eva Luna. A noite passei-a em claro, tentando lembrar-me da cara daquele desconhecido, e principalmente de todas as pessoas e situações que ele referiu...mas era já tudo uma massa informe de palavras, frases, acontecimentos que eu tentava inutilmente estruturar, ao mesmo tempo que o vento e a chuva fortes fustigavam inexoravelmente os estores do nosso quarto.

Comentários

Anónimo disse…
Epá, isto tá um bocado forte!!!!!
Que esse teu amigo cabeludo seja um prenucio de contacto, se me entendes... Tipo alerta para ligar ás pessoas que nao vemos ou sabemos.

PS: Fogo se me dizes que isso foi na machada, nunca mais lá vou .... twilight Zone( tuuuururururrrruuu)
;)
MA disse…
não, não foi na machada, foi num pequeno pinhal ao pé do centro comercial das fontainhas!
blimunda disse…
quem é que vos manda ir para o vale...
Pedro Ventura disse…
Realmente é estranho. Vou ter de ouvir pela tua boca ò Ême.
Mas não deixa de ser uma boa história, daquelas que eu gosto.
Caganita disse…
Epá, parece aquela série do AXN, a Medium.
Boa estória, mas eu tinha medo...
Anónimo disse…
esta estoria deixou me mesmo pensativa e preocupada!parece que acabei de ler um episodio da twilight zone!e de facto surreal...
Anónimo disse…
relativamente à senhora último "comment"...se possível gostaria de um curling se faz favor...assim à Marco Paulo!
Eva Luna disse…
Esta história é demais, eu própria andei um bocado afectada com isso...mas já disse ao M que isto é trabalho a mais (ou melhor dizendo jogos de canhão a mais).
MA disse…
ok, ok...quanto aos jogos de canhão, prometo que vou tentar largar esse vício, mas não sem antes o passar a alguém...aqui vai:

http://www.makaimedia.com/games/game_frame.aspx?gid=64
Anónimo disse…
éme, parece-me que esta se encaixa muito bem na tua história:

"Exit Does Not Exist", Modest Mouse

"Does not Exist, Take an Exit
I hear voices insinuating
Feeds me lyrics to this song that I am saying
Sunlight 7:20 PM, early September
Standing looking at a photograph
That you do not remember being taken
You look out of breath, and me like I am faking
As a matter of fact I don't recall this photo being taken
You don't even actually exist so I just started shaking
Does not exist, take an exit"

V.

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