Proibido morrer

Já dou aulas há cerca de 7 anos e a primeira turma que tive de enfrentar foi um segundo ano do curso de Técnico de Marketing. Era um grupo difícil, com uma miúda toxicodependente, um hiperactivo, um espanhol (desculpem Basco) contestatário, uma vamp, um que era alvo de gozo de toda a turma, um motard do estilo, um indiano mafioso, um africano complexado e uma miúda que gostava de desafiar, de contestar, mas que até era simpática, a Leonor.
Passados alguns meses, durante uma reunião de conselho disciplinar, soube que a Leonor sofria de leucemia e que estava em processo de recuperação, daí algumas das suas faltas por períodos prolongados. Durante esse mesmo ano, a meio do segundo período, o Leonor deixou de ir à escola, pois tinha tido uma recaída. Assim, só ouvi falar dela no Verão quando foi renovar a matrícula, tinha um lenço muito bonito na cabeça e tentava esconder a queda de cabelo, própria de que tem de se submeter a quimioterapia.
Em Setembro voltámo-nos a encontrar, numa outra turma, mas mais uma vez ela teve de desistir a meio do ano devido a problemas de saúde.
Passaram, alguns anos sem que nada soubessemos dela... O contacto de mesenger mantinha-se, mas nada sabia sobre o seu estado de saúde e nunca tive coragem de lhe falar sobre a sua doença.
Em Janeiro, a Leonor foi à escola para recuperar módulos de Sociologia e de Economia e por isso estivemos bastante tempo a conversar. No final, e após termos agendado um teste, a Leonor diz-me com o seu tal ar de contestação, que não percebia por que motivo não lhe dava um trabalho e a obrigava a fazer o tal teste presencial. Eu respondi-lhe, com a maior das latas, que queria tê-la ao pé de mim, porque gostava muito dela, ela riu-se e disse-me que não estivesse a brincar, pelo que lhe respondi que não era brincadeira que gostava muito dela e que nem tinha por hábito dar o meu mail a alunos, coisa que que tinha feito com ela. Podia-se considerar uma privilegiada.
No dia do teste, a Leonor telefonou a dizer que não podia vir porque estava doente. Marcámos nova data. Na outra data telefonou a mãe, a dizer que a Leonor estava no hospital. Na terça-feira telefonou a mãe a dizer que a Leonor continuava no hospital. Na terça-feira deixei mensagem no telemóvel da Leonor: " olá é a professora, não se preocupe com as recuperações. O importante é ficar boa, depois falamos. beijinhos." O final, parece evidente... Na quinta-feira... a Leonor morreu...
Estou desolada, tive uma sexta-feira horrível, não sei como consegui dar 6 horas de aulas, a minha cabeça estava longe... Não fui ao funeral, não consegui, não me apeteceu... ando sensível à dor, até porque tenho andado feliz e tenho horror de sair deste estado de graça. Mas não queria deixar de prestar a minha homenagem à Leonor, e de lhe dizer que sempre a admirei pela sua força, pela sua vivacidade, pelo seu optimismo.
Enfim, devia ser proibido morrer.

Comentários

Anónimo disse…
O caso da Leonor é defacto um exemplo de vida! Um exemplo para os que ainda não se aperceberam que a vida é uma dádiva que não pode ser desperdiçada......
Anónimo disse…
.....

fico sempre como coração na boca

!
blimunda disse…
não queria estar no teu lugar amiga. beijinhos
Anónimo disse…
Que bonito o que escreveste!
Pena que seja um texto tão bonito sobre uma coisa tão triste...
Mas no dia em que produziste este texto aconteceu uma coisa bonita, o meu casamento.
A vida é assim, feita de alegrias e tristezas...

Um beijo enorme
Magda

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