Universo Paralello
Terças e Sábados... acordar cedo, por volta das 5.30h / 6.00h da manhã, barco, uma caminhada de 20 minutos e lá estávamos nós na feira da ladra. Há cerca de 10/15 anos esta era um prática frequente para mim e o “Maharishi” o meu amigo habitual destas andanças. Foram muitas as personagens que conhecemos, mas é do Sr. Lello que interessa agora e, neste contexto, falar.
A visita ao Sr. Lello era paragem obrigatória para mim e para o Maharishi sempre que íamos à feira. A loja onde o velho amontoava desordenadamente os seus alfarrábios fora descoberta por mim durante o período em que estudei em Alfama. Para um amante de “lixo” como eu, aqueles cerca de 12 metros quadrados eram um verdadeiro paraíso. Sentia-me bem ali...o tempo parecia parar enquanto eu pesquisava horas e horas, sem um tema, um objectivo ou interesse específico. Penso que o que me cativava era não só a abundante oferta de livros e revistas, mas também a enorme desarrumação que obrigava a um envolvimento total na pesquisa, aliada à obscuridade dos temas e finalmente à própria personalidade carismática do ancião.
O alfarrabista gabava-se de ter vivido nos cinco continentes e de ser o último livreiro da família Lello (da editora Lello & Irmão). Interessava-se pela teosofia - o estudo das religiões - e a sua loja era especializada na temática do sobrenatural. O pequeno cubículo era frequentado pela mais diversa fauna: desde professores universitários, passando por escritores, executivos, administrativos, desocupados, punks, satânicos, anarquistas, fascistas, esquerdistas, estudantes, proxenetas, crentes, ateus, agnósticos, bruxos, adivinhos, quiromantes, videntes, psiquiatras, psicólogos, parapsicólogos, ufólogos, yogis, budistas esotéricos, praticantes de reiki, cristaloterapeutas, homeopatas, portugueses e estrangeiros, ocultistas de todas as espécies e feitios.
Era incrível como o mestre Lello mantinha actualizado o seu registo de cada uma das pessoas que adquiriam algum dos seus tesouros. Um conjunto de caixas de madeira continha centenas de fichas de cartolina, já amarelecidas, com nomes, idades, telefones, moradas, preferências literárias e sabe-se lá mais o quê de cada cliente.
Os livros mais procurados eram normalmente os proscritos e por vezes proibidos, versando temas como as sociedades secretas (“Biblia Satânica” de Anton LaVey) , o nazismo (Mein Kampf) e outros de realismo fantástico e civilizações perdidas. Como, dentro do estilo, eu até devia ser um dos clientes mais ortodoxos, o meu enfoque incidiu desde logo na ficção científica. Sempre tive algum interesse e curiosidade pela tecnologia, não de uma forma tecnocrata mas pelo lado humano da tecnologia... de que forma é que esta molda a (ou é moldada pela) forma como as pessoas dela se apropriam. Foi lá que descobri a colecção argonauta da “livros do brasil”, a da “europa-américa”, da “caminho”, etc...estavam lá praticamente todas as publicações traduzidas para português desde os anos 60...”Ainda hei de trazer-te o nº 1 da colecção argonauta...tu mereces” dizia o kota com um ar paternal.
Outra frase que o velho me dizia todas as vezes que eu lá ia era... “Quando vieres aqui e vires uma cruz preta, de madeira pregada na porta é porque eu já morri, estás a ouvir?” Recentemente, após muitos anos sem lá ir, passei pela loja. Não vi nenhuma cruz preta, mas também não vi o alfarrabista, nem livros, nem tampouco móveis...apenas uma sala vazia. Perguntei por ele na mercearia de bairro mesmo ao lado...”Anda à procura do bruxo? Ninguém sabe ao certo dele, desapareceu do dia para a noite!” respondeu-me a octogenária... O meu amigo Maharishi ouviu dizer que o Lello foi para Paris...aprofundar/pregar a sua teosofia...
Os livros que de lá trouxe continuam a surpreender-me das mais variadas formas, quer pela profundidade de alguns autores, como Stanislaw Lem, o surrealismo de outros, como Philip K. Dick, o nível científico de Arthur C. Clark ou Isaac Asimov e também a ingenuidade de alguns ficcionistas americanos comerciais dos anos 50, com os seus títulos infantis e histórias previsiveis...
Do Lello guardo a boa disposição, o humor, o conhecimento, a facilidade com que fazia amizades e uma folha gasta que trago há anos na carteira com poema “SE” de Rudyard Kipling que ele me ofereceu certo dia dizendo ser a sua bíblia...
A visita ao Sr. Lello era paragem obrigatória para mim e para o Maharishi sempre que íamos à feira. A loja onde o velho amontoava desordenadamente os seus alfarrábios fora descoberta por mim durante o período em que estudei em Alfama. Para um amante de “lixo” como eu, aqueles cerca de 12 metros quadrados eram um verdadeiro paraíso. Sentia-me bem ali...o tempo parecia parar enquanto eu pesquisava horas e horas, sem um tema, um objectivo ou interesse específico. Penso que o que me cativava era não só a abundante oferta de livros e revistas, mas também a enorme desarrumação que obrigava a um envolvimento total na pesquisa, aliada à obscuridade dos temas e finalmente à própria personalidade carismática do ancião.
O alfarrabista gabava-se de ter vivido nos cinco continentes e de ser o último livreiro da família Lello (da editora Lello & Irmão). Interessava-se pela teosofia - o estudo das religiões - e a sua loja era especializada na temática do sobrenatural. O pequeno cubículo era frequentado pela mais diversa fauna: desde professores universitários, passando por escritores, executivos, administrativos, desocupados, punks, satânicos, anarquistas, fascistas, esquerdistas, estudantes, proxenetas, crentes, ateus, agnósticos, bruxos, adivinhos, quiromantes, videntes, psiquiatras, psicólogos, parapsicólogos, ufólogos, yogis, budistas esotéricos, praticantes de reiki, cristaloterapeutas, homeopatas, portugueses e estrangeiros, ocultistas de todas as espécies e feitios.
Era incrível como o mestre Lello mantinha actualizado o seu registo de cada uma das pessoas que adquiriam algum dos seus tesouros. Um conjunto de caixas de madeira continha centenas de fichas de cartolina, já amarelecidas, com nomes, idades, telefones, moradas, preferências literárias e sabe-se lá mais o quê de cada cliente.
Os livros mais procurados eram normalmente os proscritos e por vezes proibidos, versando temas como as sociedades secretas (“Biblia Satânica” de Anton LaVey) , o nazismo (Mein Kampf) e outros de realismo fantástico e civilizações perdidas. Como, dentro do estilo, eu até devia ser um dos clientes mais ortodoxos, o meu enfoque incidiu desde logo na ficção científica. Sempre tive algum interesse e curiosidade pela tecnologia, não de uma forma tecnocrata mas pelo lado humano da tecnologia... de que forma é que esta molda a (ou é moldada pela) forma como as pessoas dela se apropriam. Foi lá que descobri a colecção argonauta da “livros do brasil”, a da “europa-américa”, da “caminho”, etc...estavam lá praticamente todas as publicações traduzidas para português desde os anos 60...”Ainda hei de trazer-te o nº 1 da colecção argonauta...tu mereces” dizia o kota com um ar paternal.
Outra frase que o velho me dizia todas as vezes que eu lá ia era... “Quando vieres aqui e vires uma cruz preta, de madeira pregada na porta é porque eu já morri, estás a ouvir?” Recentemente, após muitos anos sem lá ir, passei pela loja. Não vi nenhuma cruz preta, mas também não vi o alfarrabista, nem livros, nem tampouco móveis...apenas uma sala vazia. Perguntei por ele na mercearia de bairro mesmo ao lado...”Anda à procura do bruxo? Ninguém sabe ao certo dele, desapareceu do dia para a noite!” respondeu-me a octogenária... O meu amigo Maharishi ouviu dizer que o Lello foi para Paris...aprofundar/pregar a sua teosofia...
Os livros que de lá trouxe continuam a surpreender-me das mais variadas formas, quer pela profundidade de alguns autores, como Stanislaw Lem, o surrealismo de outros, como Philip K. Dick, o nível científico de Arthur C. Clark ou Isaac Asimov e também a ingenuidade de alguns ficcionistas americanos comerciais dos anos 50, com os seus títulos infantis e histórias previsiveis...
Do Lello guardo a boa disposição, o humor, o conhecimento, a facilidade com que fazia amizades e uma folha gasta que trago há anos na carteira com poema “SE” de Rudyard Kipling que ele me ofereceu certo dia dizendo ser a sua bíblia...
Comentários
Não era eu que aqui há uns anos andava com ténis sanjo, calça preta elástica, t-shirt de manga-cava dos metálica e cabelo comprido só atrás...
Tb tenho muitoas livros que depois foram adaptados ao cinema, por isso se precisares de alguma ajuda diz...é um tema que gosto